sábado, 24 de maio de 2008

Noite Escura

Em uma noite escura,

De amor em vivas âncias inflamada,

Oh! ditosa ventura!

Saí sem ser notada,

Já minha casa estando sossegada.

_*_

Na escuridão, segura,

Pela secreta escada, disfarçada,

Oh! ditosa ventura!

Na escuridão, velada,

Já minha casa estando sossegada.

_*_

Em noite tão ditosa,

E num segredo em que ninguém me via,

Nem eu olhava coisa,

Sem outra luz nem guia

Além do que no coração me ardia.

_*_

Essa luz me guiava,

Com mais clareza que a do meio-dia

Aonde me esperava

Quem eu bem conhecia.

Em sítio onde ninguém aparecia.

_*_

Oh! noite que me guiaste.

Oh! noite mais amável que a alvorada!

Oh! noite que juntaste

Amado com amada,

Amada já no Amado transformada!

_*_

Em meu peito florido

Que, inteiro, para ele só guardava,

Quedou-se adormecido,

E eu, terna, o regalava,

E dos cedros o leque o refrescava.

_*_

Da ameia a brisa amena,

Quando eu os seus cabelos afagava,

Com sua mão serena

Em meu colo soprava,

E meus sentidos todos transportava.

_*_

Esquecida, quedei-me,

O rosto reclinado sobre o Amado;

Tudo cessou. Deixei-me,

Largando meu cuidado

Por entre as açucenas olvidado.

São João da Cruz

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